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Meu corpo espalhou-se pelo chão como uma maçã fatiada / My body scattered across the ground like a sliced apple

Cultivei umas plantinhas durante a pandemia, coisa pouca, um mato que me disseram que exalaria um cheiro bom quando desse flor. Comecei o cultivo no início da pandemia, fui cheia de vontade, regava, colocava adubo. E quando não havia mais o que fazer, sentava numa cadeira na varanda pra olhar a planta crescendo vagarosamente numa mobilidade imóvel. E mesmo sem perceber o lento desenvolvimento da minha plantinha, eu fui a solitária testemunha do que acontecia.

 

Como eu tive sucesso, roubei as outras plantinhas da varanda de quem não teve o cuidado necessário. Voltavam a crescer as plantinhas esturricadas, eu as perseguindo com minha câmera como uma predadora. Essas fotografias são vestígios da vida na pandemia, do meu processo de cura parcial.

 

Mas não sou ingênua, sei que apenas vegetais comestíveis salvam vidas porque as salvam da fome e nenhuma planta não comestível me salvaria das minhas angústias. Tão somente cultivei, quando confinada, umas plantinhas mirradas na varanda. Foi o percurso, creio, a jornada que fiz sem os meus pés (e mesmo sem as minhas mãos) para o país que trago dentro de mim que me permitiu resistir.

 

E na impossibilidade de continuar fotografando as ruas como fazia antes do confinamento, o foco voltou pra mim mesma, eu que havia me esquecido do autorretrato que fora a forma como me iniciei na fotografia. Foi o bastante.

 

A dor do mundo atravessou-me, raio silencioso e invisível, virei uma maçã fatiada.

 

O espinho, nó da prosa.

I grew a few plants during the pandemic, not much, a bush that I was told would smell good when it bloomed. It was the beginning of the pandemic, I was full of enthusiasm, I watered them, I added fertilizer. And when there was nothing else to do, I would sit on a chair on the balcony to watch the plant slowly grow in an immobile mobility. And even without realizing the slow development of my little plant, I was the lone witness to what was happening.

 

As I was successful, I stole other plants from the balcony of those who hadn't taken the necessary care. The stunted plants grew back, and I chased them with my camera like a predator. These photographs are traces of life during the pandemic, of my partial healing process.

 

But I'm not naïve, I know that only edible vegetables save lives because they save them from starvation and no inedible plant could save me from my anguish. When I was confined, I only grew a few shriveled plants on my balcony. It was the journey, I believe, the journey I made without my feet (and even without my hands) to the country I carry within me that allowed me to resist.

 

And as I was unable to continue photographing the streets as I had done before the lockdown, the focus turned to myself, I who had forgotten the self-portrait that had been the way I started photography. That was enough.

 

The pain of the world ran through me, a silent and invisible ray, I became a sliced apple.

 

The thorn, the prose knot.

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